1 de novembro de 2009

As laranjas, ora, as laranjas


Não é bom assumir posições radicais quanto a nenhum fato. Encontraremos coisas boas e ruins em praticamente tudo o que existe. A demonização dos movimentos sociais, por exemplo, não faz bem à sociedade. Creio que o melhor seja um discurso consciente, atento, construído a partir de uma análise que considere todas as variáveis envolvidas e que pese todos os lados da questão.

Há fortes indícios, nas próprias matérias publicadas, de que a grande imprensa brasileira é ideologicamente posicionada e que costuma defender os interesses políticos e econômicos de seus proprietários e de pessoas ligadas a eles. Ela procura disseminar uma opinião uniforme, que não admite múltiplos pontos de vista. Por isso, o comportamento ideal do cidadão que deseja ter uma boa visão das forças que atuam sobre a sociedade seria procurar se informar através dos mais diversos meios, lendo o maior número possível de opiniões divergentes, sempre em busca da desejada pluralidade, o caminho para a verdadeira democracia. O indivíduo realmente crítico acabará por conseguir formar de modo cada vez mais independente a sua própria opinião.

O jornalismo televisivo, em relação a posicionamentos políticos, tem melhorado nos últimos anos, mas ainda continua muito tendencioso em alguns aspectos, principalmente em época de eleição. Conheço pelo menos um estudo que aponta que ele costuma favorecer os candidatos preferidos pelas emissoras. Um outro aspecto que ainda não evoluiu diz respeito à manutenção de uma visão negativa a respeito de alguns movimentos sociais.

As reportagens sobre esses movimentos são um exemplo de falta de ética e profissionalismo, pois não seguem um princípio básico do jornalismo: ouvir o outro lado. Quase nunca são entrevistados os membros e dirigentes do movimento, mas o espaço está sempre aberto para os grandes empresários, latifundiários, alguns juristas ideologicamente alinhados com a opinião que se pretende difundir, políticos da direita e as "vítimas" dos protestos.

Ao assistir essas reportagens, tem-se a impressão de que o movimento social é o problema, e não aquilo que ele denuncia. O caso do MST é emblemático. O grande problema não é o movimento, e sim a alta concentração de terras, o latifúndio improdutivo que não cumpre a função social determinada pela Constituição e a forma criminosa como a terra foi distribuída - ou melhor, concentrada - ao longo da história do país. Mas não é o que se observa nas matérias veiculadas. As atitudes do movimento são criticadas, mas não se diz uma única palavra a respeito do problema fundiário histórico. O conhecimento e a contextualização necessários à compreensão do assunto dificilmente são encontrados na grande imprensa.

É claro que há um interesse muito grande por parte de alguns setores em extinguir certos movimentos sociais. É fácil perceber, no entanto, que um país sem movimentos sociais que clamem por justiça seria o paraíso para aqueles que detêm o poder; a carta branca para passar de vez por cima dos anseios dos discriminados e excluídos.

Chegará o dia - escreve Washington Araújo, mestre em Comunicação e escritor, no Observatório da Imprensa - em que em que o leitor mediano, ao comprar uma publicação, irá se perguntar:

"Qual a contrapartida que a empresa que edita essa revista está levando com essa matéria?"

"A quem interessa essa campanha contra esse movimento social?"

"Induzir a população a ser a favor ou ser contra este ou aquele governo... interessa, mesmo, a quem?"

"Quem está por trás dessa reportagem?"

Apenas para constar (e justificar o título e várias considerações feitas neste texto):
Existem informações de que a propriedade recentemente ocupada pelo MST e sobre a qual a mídia criou o episódio do escândalo das laranjas pertence à União. Ela teria sido ilegalmente ocupada por uma empresa que comanda um cartel e monopoliza o setor da produção dessa fruta. As laranjas plantadas seriam, portanto, uma tentativa de legitimar a "grilagem", evitando a retomada das terras por parte da administração federal. Os donos da empresa seriam réus em processos por formação de cartel e posse ilegal de armas e a empresa teria sido autuada mais de uma vez por poluição e impactos ao meio ambiente. Estas informações são verdadeiras ou falsas? O fato é que não foram mencionadas nos veículos que noticiaram a ocupação destas mesmas terras pelo MST em sinal de protesto contra... contra... exatamente contra o teor destas informações! Se tivessem sido mencionadas (com um destaque significativo, proporcional à gravidade das mesmas), independente dos excessos cometidos pelo movimento, a visão transmitida ao espectador teria sido bem outra, e não aquela na qual os possíveis-falsos-proprietários posam de bons moços vitimados pelos malvados invasores. A crítica aqui é quanto à qualidade da imprensa, que simplesmente passa por cima de elementos relevantes devido a interesses que desconhecemos, mas os quais suspeitamos.

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