10 de novembro de 2010

A melhor escolha


Não existem salvadores da pátria. Aquele que aguarda por um candidato desse tipo para depositar sua confiança irá anular o voto pelo resto da vida. No pleito que tivemos há pouco, no entanto, acredito que o Brasil fez a melhor escolha. Este texto destina-se principalmente àquele eleitor que votou e torceu por Serra, mas que não faz parte do time da ultradireita, essa que andou mostrando os dentes nos últimos dias. Pretendo demonstrar a esse eleitor, que pode ter votado com base em falsos critérios e que está insatisfeito com a vitória de Dilma, que as coisas podem estar melhores do que parecem.

A campanha tucana apresentou a tendência de se agarrar a qualquer corrente que pudesse garantir a vitória de seu candidato. Isso acabou expondo inúmeras contradições - um partido surgido como social-democrata, uma espécie de nova esquerda, terminou quase que completamente arrastado para a direita - e abrindo as portas para organizações ultraconservadoras, como a TFP (Tradição, Família e Prosperidade), e também para ruralistas extremados, aproveitadores religiosos e toda a sorte de preconceitos, chegando a resvalar nos delírios neonazistas de alguns, como pudemos perceber na ameaça de surgimento de novos movimentos xenófobos e separatistas e também nas críticas contra nordestinos espalhadas nas redes sociais virtuais logo após a divulgação dos resultados. Tudo isso representaria um alto preço a ser pago caso viesse a ocorrer a eleição do candidato apoiado por essas correntes.

Serra passou a campanha defendendo um governo de união, mas optou por contradizer-se logo no discurso de reconhecimento da derrota, ao apontar uma “trincheira” que teria ajudado a cavar e conclamar aqueles que o apoiam para uma espécie de guerra que estaria apenas começando, o que acabou contribuindo com o clima bélico que vemos agora surgir.

Por isso, apresento a seguir treze argumentos nos quais procuro demonstrar que estamos trilhando o melhor caminho possível, dentre aqueles pelos quais pudemos optar no segundo turno das eleições.

1) Após as primeiras declarações da presidente eleita, a imprensa finalmente reconhece nela uma líder segura, com propostas firmes, uma história respeitável e uma visão equilibrada. Por que não tinham enxergado essa mulher antes? A resposta simples nos é dada por Luis Nassif (jornalista de economia): é que agora o período eleitoral encerrou-se, ou seja, o tendenciosismo pôde finalmente ser deixado um pouco mais de lado. A cegueira intencional que contaminou a imprensa durante as eleições acabou por cegar também grande parte do eleitorado, que votou com base em critérios, digamos, não muito adequados. Prefiro chamá-los até de falsos critérios, mesmo que isso soe impositivo de certo modo. Mas vejamos um exemplo: inúmeros cristãos escolheram seu candidato baseando-se na questão do aborto e da união civil homossexual, deixando de lado as questões econômicas, de saúde, segurança pública, educação, infraestrutura, políticas sociais, entre outras de suma importância e que deveriam realmente pesar na escolha. Um claro exercício de despolitização, conduzido por padres, bispos e pastores das mais distintas correntes religiosas. Um outro exemplo são aqueles que bradavam: "Não irei votam em uma guerrilheira, em uma terrorista!". Terminadas as eleições e, em parte, a cegueira induzida, acredito que esse eleitor que se baseou em falsos critérios poderá agora decidir evitar a tal trincheira, passando às críticas construtivas e à esperança e os esforços para que tenhamos um país melhor com o governo eleito.

2) A questão ética é uma das mais importantes em uma eleição, mas ela só faz diferença caso estejamos lidando com algum candidato do tipo “ficha suja”, com comprovadas falcatruas visando ao benefício próprio. E esse não parecia ser o caso de nenhum dos candidatos. Se este ponto tiver lhe causado alguma estranheza, observe apenas que denúncias e investigações haviam dos dois lados e, por favor, continue lendo.

3) A experiência é um bom critério, mas não pode ser utilizada isoladamente, sob pena de se eleger um candidato mais experiente, porém pior. Apesar de Serra possuir mais experiência eleitoral (participou de mais eleições), ambos possuem experiência administrativa, como ocupantes de importantes cargos. Fernando Henrique e Lula, quando eleitos presidentes, tinham exercido apenas um mandato no legislativo cada, o primeiro como senador e o segundo como deputado, e nenhum mandato no executivo. Isso não impediu que ambos fossem considerados bons ou ótimos presidentes por muita gente.

4) Boatos, bobagens e mentiras, nem seria preciso dizer, são um péssimo critério e devem ser ignorados. Eles andaram circulando pela internet, pelas campanhas oficiais e até pela imprensa. Durante todo o ano, principalmente no decorrer da campanha, recebi incontáveis mensagens contendo boatos. Não estou mentindo quando digo que todas elas - TODAS - eram contra Dilma. Um levantamento superficial feito a partir de algumas dessas mensagens leva a pessoas e sítios muito estranhos. Mesmo assim, a campanha tucana tentou surfar em algumas das ondas de boataria. Chegaram a criar um sítio bastante agressivo, o “Gente que mente”, que só passaram a identificar como oficial do partido após o vínculo ter sido descoberto. A imprensa também exagerou: o jornal Folha de S. Paulo publicou uma ficha da Dilma, que seria dos arquivos do DOPS, mas que era na verdade uma montagem que circulava em spams. A revista Veja já não se envergonha mais em apresentar-se como um panfleto político e ideológico. Deixemos de lado, pois, as bobagens ditas em mensagens eletrônicas ou nas campanhas. Isso inclui a lojinha da Dilma e os delírios sobre a censura, a limitação de liberdades e o assassinato de criancinhas. Do homossexualismo ao terrorismo, livremo-nos de asneiras que só servem para desviar o foco do verdadeiro debate político.

5) Seria a religião um bom critério? Uma das campanhas parece ter pensado durante algum tempo que sim, mas é óbvio que não é. Senti-me rumando na direção da Idade Média. Afinal de contas, estávamos escolhendo o sucessor do Papa ou um Presidente da República? Temas que devem ser alvo de políticas públicas, como aborto e união civil homossexual, tornaram-se sórdidos objetos eleitoreiros. Serra chegou a fingir que acreditava que “casamento gay” é uma reivindicação direcionada a igrejas. Começou a aparecer em cultos, a falar exaustivamente sobre fé, ofendeu religiosos e ateus, confeccionou santinhos com frases sobre Jesus Cristo. Tentou sair do campo racional, onde não conquistava votos, para o da emoção e da exploração de sentimentos. Abusou tanto da estratégia que começou a soar ridículo: em um discurso, conclamou pelo milagre da multiplicação dos votos, comparando-se àquele a quem se referiu nos santinhos. Tenta minimizar o episódio do bispo que contratou a impressão de 20 milhões de panfletos que associavam Dilma ao aborto (a gráfica, de propriedade de parentes de um dos integrantes da campanha tucana, “só” imprimiu dois milhões, por falta de capacidade). De onde viria o dinheiro? Telefonemas de call centers e os programas de campanha no rádio insistiram na questão do aborto. Em seu programa na tevê, Serra permitiu que fosse exibido o depoimento a seu favor feito por Valdemiro Santiago, pastor evangélico que “cura” cegos, surdos, mudos de nascença, paraplégicos e pacientes com câncer, com a clara intenção de conseguir o voto dos fiéis tapeados pelo charlatão. Silas Malafaia, outro pastor de intenções duvidosas, também deu sua contribuição. Nem o Papa foi deixado de fora: suas palavras foram utilizadas no último programa tucano. A denúncia de ex-alunas da esposa de Serra, repercutida até pela Folha de S. Paulo, de que ela teria feito aborto, tem alguma relevância? Não teria se o próprio candidato não tivesse trazido o tema à baila e se colocado como o defensor da moral e dos bons costumes. Porém, caso a denúncia seja confirmada, a hipocrisia saltará aos olhos de todos, como expõe a pergunta de uma das ex-alunas: “Se Serra for eleito, sua esposa deverá ser presa?”.

6) Reduzidos os critérios anteriores a sua devida relevância (ou ausência de relevância), creio que o melhor critério seja a comparação entre projetos. Como disse Venício Lima (professor de Ciência Política e Comunicação da UnB), com citações de João Sicsú (doutor em Economia, professor da UFRJ e pesquisador nível 1 do CNPq), não estávamos escolhendo um administrador de condomínio. A sorte é que tínhamos de escolher entre dois projetos testados e muito diferentes. Meu voto foi conseqüência óbvia do projeto que aprovo: “desenvolvimentista”, “distributivista”, social, que costuma encarar com um pouco mais de frequência discussões sobre direitos básicos e inerentes à democracia, sem esquecer minorias ainda perseguidas. Dilma contará com a maioria nas casas legislativas, o que poderá garantir um governo com mais fluidez e a realização das reformas de que tanto precisamos. Mesmo que Serra fosse o melhor administrador, não era minha intenção eleger alguém que seguiria com muita competência pelo caminho que não aprovo.

7) Ainda quanto aos modelos, observamos que muitas pessoas percebem claramente as diferenças entre ambos, mas muitos não conseguem reconhecer que grandes foram as mudanças também na área econômica. Quando Lula assumiu, herdou uma estabilidade que é considerável em relação ao que tínhamos no passado, antes do Plano Real, mas que não era grande coisa frente ao que poderia ser e frente aos patamares que atingimos durante o atual governo. A política econômica não se resume apenas à moeda. Tivemos mudanças no comércio exterior, na questão do petróleo, nos investimentos em infra-estrutura, nas políticas industrial, fiscal - inclusive com desonerações - e de reajuste do salário mínimo. Várias dessas medidas foram essenciais para que o Brasil fosse um dos primeiros países a superar a recente crise internacional.

8) Sabemos que a população é assombrada por medos e preconceitos que poderiam ser desonestamente explorados pelos candidatos e por eleitores militantes. Um desses preconceitos é considerar que o voto alheio é resultado de alienação, burrice ou ignorância, e que somente os pobres votam em causa própria. Há ainda a confusão entre o voto motivado por benefícios individuais e aquele capaz de beneficiar de verdade certas classes compostas por indivíduos realmente necessitados, sempre no caminho da garantia de dignidade para todos e da redução das desigualdades entre a população. Esse tipo de preconceito constitui-se numa arrogância sem tamanho, principalmente porque os fatos mostram outra coisa. “As pesquisas dão a Dilma vantagem em todos os segmentos socioeconômicos relevantes. É a preferida de mulheres e homens (sepultando bobagens como as que ouvimos sobre as dificuldades que teria para conquistar o voto feminino), de jovens e velhos, de negros e brancos. Está na frente entre católicos, evangélicos, espíritas e praticantes de religiões afro-brasileiras. Vence entre pobres, na classe média e entre os ricos (embora fique atrás de Serra entre os muito ricos). Lidera entre beneficiários do Bolsa Família e entre quem não recebe qualquer benefício do governo. Analfabetos e pessoas que estudaram, do primário à universidade, votam majoritariamente nela.” É o que dizia a estratificação dos resultados das pesquisas eleitorais do primeiro turno, exposto nessa citação de Marcos Coimbra, presidente do instituto Vox Populi. Não nos esqueçamos do manifesto dos artistas e intelectuais, como Chico Buarque, Leonardo Boff, Oscar Niemeyer, Ziraldo, Marilena Chauí, diversos atores, entre tantos outros, e do manifesto dos filósofos, com quase mil assinaturas, ambos em apoio a Dilma. Há ainda um detalhe que não precisaria ser mencionado, pois o voto de todas as regiões do país tem o mesmo valor e não há nada de errado quando determinada região aprova um governo que beneficiou seu desenvolvimento. Mas o fato é que, mesmo se não fossem contabilizados todos os votos do Nordeste, Dilma ainda seria eleita, pois foi expressivamente votada em Minas e no Rio, vencendo em ambos, e também em estados como São Paulo e os da região Sul, nos quais a diferença para Serra foi muito pequena.

Danilo Fraga e Bruno Barros (clique aqui para ver a versão de Bruno,
com os percentuais) fizeram mapinhas com tons de ciano e magenta,
de
acordo com a votação de cada candidato, que não transmitem a visão
equivocada
do mapinha bicolor apresentado pela grande mídia,
tão mal interpretado pelos preconceituosos.


9) É inocência acreditar que Serra e sua turma são paladinos da ética e da moral. No caso dos órgãos de imprensa que o apoiaram utilizando esse discurso é má-fé mesmo, visto que o conteúdo de suas próprias páginas já derrubou por várias vezes tal imagem. Serra e sua campanha adoravam apontar as más companhias de Dilma, mas se esforçavam para esconder que do lado deles estavam Roriz, Arruda (mensalão do DEM), Agripino Maia, Azeredo (mensalão tucano), Paulo Preto, entre outras figuras abomináveis. Escondiam também os escândalos que os atingem, como irregularidades no metrô e na construção do Rodoanel, as merendas de Índio da Costa, o caso Alstom, a operação Castelo de Areia e as acusações de Flávio Bierrenbach.

10) Sempre digo que não basta observar o que dizem os candidatos durante a campanha. Afinal, eles sempre dirão aquilo que os eleitores esperam ouvir. É preciso buscar informações sobre os mesmos nas mais variadas fontes. A utilização de um número restrito de fontes de informação acaba resultando em visões tendenciosas, direcionadas pelos órgãos escolhidos. Ouvir outros eleitores pode fornecer boas pistas sobre o alinhamento ideológico dos candidatos. Fazendo esse exercício percebi que Serra era ótimo em atrair eleitores elitistas, conservadores, preconceituosos, reacionários e arrogantes. Sem contar aquele cidadão de classe média, com curso superior e talvez uma pós-graduação, assinante de um grande jornal ou revista, e que acredita que isso é o bastante para se considerar especialista em política e sair desprezando as opiniões alheias. É claro que não estou dizendo que todos os serristas se comportavam desse modo, mas encontre aquele tipo de pessoa que vive na região Sudeste, principalmente em São Paulo, com boa situação financeira, que adora criticar a capacidade intelectual dos nordestinos, o Bolsa Família, e, às vezes, diz que sente saudades da ditadura. Pergunte a esse indivíduo ou qualquer outro um pouco parecido sobre o candidato que ele escolheu. Você não terá nenhuma surpresa.

11) Serra passou a impressão de que busca o poder a qualquer custo, como um projeto pessoal, e nem tanto como uma maneira de servir da melhor maneira a todo o povo. Mesmo colunistas mais alinhados a suas ideias confirmaram tal comportamento. A ânsia pelo poder seria o motivo de o mesmo ter migrado da esquerda para a direita ao longo de sua carreira política. Isso pode justificar também as promessas descabidas que costuma fazer durante as campanhas, como o aumento do salário mínimo para R$ 600,00 e o reajuste de 10% para aposentados (estranhamente, poucos denunciaram o absurdo). Dilma também poderia ter feito promessas vazias (até porque, seguindo-se as regras de reajuste salarial atualmente praticadas, o mínimo poderá ultrapassar os R$ 600,00 já em 2012), mas não se rendeu à irresponsabilidade, como demonstrou na convenção com os “verdes” que a apoiaram, ao declarar ao Greenpeace, sobre a proposta de desmatamento zero: “Não faço leilão por apoio”. Serra fez: agiu como se fosse devoto de todas as religiões e, quando participou de um evento que reunia homossexuais, defendeu a união civil entre pessoas do mesmo sexo, uma proposta com a qual concordo plenamente, mas que o candidato não revelava aos fiéis que visitava. O que diria Silas Malafaia, que apareceu em seu programa eleitoral na tevê e que é contra a criminalização da homofobia?

12) Os avanços conquistados durante o atual governo são de conhecimento da maioria da população e se refletem na popularidade do presidente. Um enorme contingente de pessoas foi retirado da miséria. Outro tanto teve melhoras inéditas no poder aquisitivo e no padrão de vida. Tornamo-nos um grande exportador em diversos setores, reconhecidos e respeitados internacionalmente. A geração de empregos e o crescimento econômico quebram recordes.

13) Sempre votei pensando no conjunto da população e nos mais necessitados, e nunca em minhas necessidades particulares. Confio no atual projeto que visa ao bem estar de todos os brasileiros, em uma transição gradativa e pacífica, que tem desfeito aos poucos os laços com poderosos históricos e se baseado no respeito a todos os segmentos, inclusive os minoritários, rumo a uma sociedade mais justa, centrada no ser humano e distante de obscurantismos.

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P.S. 1: Em um pleito como o que tivemos, não defendo o voto nulo, pois, ao abstermo-nos da responsabilidade, podemos acabar permitindo que o pior candidato se eleja.

P.S. 2: Erros existem em todos os governos. O que devemos observar é como as falhas são tratadas.

P.S. 3: A oposição é de suma importância, pois caracteriza a democracia, mas deve ser responsável e fugir da armadilha do radicalismo estéril. Torço pelo surgimento de uma oposição que de fato conheça as reais necessidades do país.

Um comentário:

  1. Fazer comentário? Que comentário?

    O cara esgotou o assunto.

    Só tenho aplauso pro Pedro Paiva. Mais nada...

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