18 de janeiro de 2010

Parcerias imaginárias


Quando criança, inventei um amigo imaginário que fazia parar minha dor de barriga. Não nos relacionávamos com a frequência comum com a qual as crianças normalmente se relacionam com seus amigos imaginários. Não. Eu o chamava apenas quando tinha dor de barriga. Então ele vinha, uma espécie de homenzinho que percorria meus intestinos, colocando ordem onde possivelmente havia uma enorme bagunça. Mas por que um companheirinho com uma função tão específica? Bom, em primeiro lugar, a verdade é que uma criança não costuma ter muitos problemas além de dor de barriga. E também porque a parceria (eu lhe dava existência e, em troca, ele me dava alívio) funcionava.

Mais tarde, durante a pré-adolescência, os problemas eram outros. Com tantas notícias assustadoras a respeito da criminalidade crescente, passei a temer assaltos enquanto caminhava pelas ruas, a passeio ou no trajeto até a escola. Então, criei um novo salvador: um pequeno ser azul, vigilante, que me alertaria com antecedência sobre algum perigo. Até hoje lamento o dia em que, retornando da escola para casa, esqueci-me de invocá-lo e acabei sendo assaltado.

Estas amizades fantásticas não cuidaram apenas de problemas menores e específicos. Um pouco mais velho, frente à complexidade cada vez maior dos problemas que apareciam cada vez em maior quantidade, passei a invocar as Leis Precisas Universais, uma entidade um pouco mais abstrata. O princípio básico dessa nova amizade estava no fato de que existem leis que mantêm todo o Universo no caminho certo. Essas mesmas leis poderiam ser usadas para manter a minha vida, enquanto parte do Universo, no mesmo caminho. As Leis Precisas Universais intervieram em momentos cruciais que definiram o destino da minha vida, seja aproximando-me de pessoas que são muito importantes para mim, seja auxiliando-me a entrar na universidade ou a conseguir algum emprego.

Hoje já não mais conservo esse nível de misticismo e tudo isso me parece muito engraçado, coisa de criança. Mesmo assim, por que decidi revelar coisas tão pessoais e até certo ponto constrangedoras? Apenas para poder dizer que o relato de experiências pessoais não serve de modo algum como prova da existência de divindades. Os feitos que muitos religiosos atribuem a Deus eram por mim atribuídos a essas entidades, do mesmo modo que, em certas religiões, são atribuídos a outros deuses, como Shiva ou Baal. Não há como relacionar seguramente um feito real a uma determinada entidade que supostamente existe fora do mundo físico, seja ela Deus ou as Leis Precisas Universais.

Confesso que abusei da liberdade literária e que as coisas não aconteceram realmente desse modo. Ainda assim, o relato de um religioso é tão embasado quanto o meu - ou da personagem que assumi neste texto. Pense bem: para alguém que não considera esse tipo de intervenção fantástica possível, um religioso que tenta apresentar experiências pessoais como prova dessas intervenções está simplesmente relacionando fatos reais (ou não, pois nunca se pode descartar o erro ou a mentira) a seres que existem apenas dentro de sua mente. O ateu que ouve o relato pessoal de um religioso é como o religioso que lê este texto. Portanto, até um relato falso de experiências pessoais serve para refutar a validade desse tipo de "prova", o que demonstra a completa fragilidade da estratégia.

Continue lendo apenas se você for o homenzinho do intestino, o vigilante azul ou as Leis Precisas Universais:
Prezados amigos, diferente do que foi mencionado no texto, ainda conto com sua costumeira ajuda. Espero que o fato de eu ter revelado sua existência a outros humanos e ainda ter mentido sobre o fim de nossos contatos não afete o relacionamento vantajoso que mantemos há tanto tempo. Peço perdão por qualquer deslize que tenha cometido. Por favor, continuem por perto.

Um comentário:

  1. Muito bom.Gostei!!!
    Acredito que o imaginario
    sempre sera REAL...

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