24 de fevereiro de 2010

Prólogo (Antes do tempo)



Aproximava-se o Natal de 1983. As crianças da casa, Caio e Alceu, discutiam à mesa, durante o jantar. Os pais e o irmão mais velho, Ricardo, já não conseguiam suportar o berreiro.

- O meu presente será muito melhor que o seu! Papai Noel vai me trazer uma fantasia de super-herói! - gritava um.

- Grande coisa! - rebatia o outro - Para mim ele trará uma bicicleta!

Os pais se entreolhavam, prontos para explodir numa bronca. A competição prosseguia, as crianças cada vez mais irritadas.

- Ah, é? Pois para mim Papai Noel vai trazer um...

- Vocês dois não sabem de nada! - gritou, de súbito, Ricardo, o irmão mais velho, interrompendo a rixa - Papai Noel sequer existe!

A mãe, assustada, soltou um longo psssssiu!, sinalizando para que Ricardo se calasse. Não adiantou.

- São nossos pais quem compram os presentes! Por isso, tratem de se contentar com aquilo que eles podem nos proporcionar!

Silêncio quase absoluto, interrompido somente pelo tilintar dos talheres. Apenas o autor da revelação continuou a comer, não porque tivesse vontade, mas porque não conseguia pensar em outra coisa para fazer. As cabeças das duas crianças giravam. Uma pitada de arrependimento começou a incomodar Ricardo, fazendo-o coçar a garganta. Alceu, a criança que estava mais eufórica alguns minutos antes, não mais enxergava o que estava à sua frente. Apenas a forma circular do prato parecia se destacar. Sentia suas têmporas a pulsar.

Não foi a revelação do irmão mais velho que imediatamente o convencera. Foi, na verdade, o sinal feito pela mãe, em quase desespero. O som ainda ecoava: pssss... Aquele ruído interminável, que acabava de revelar-lhe uma simples verdade, até então desconhecida. De que modo aquela espécie de sibilo... ssssss... tão simples... ssss... pôde revelar um fato tão estarrecedor? Como tinha sido inocente, meu Deus!

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Um pouco mais à noite, os irmãos preparados para dormir, já posicionados em suas camas. A mãe terminou de ajeitar Caio e dirigiu-se a Alceu. Cobriu-o, beijou-lhe a testa e sussurrou:

- Reze para Papai do Céu.

De imediato, ela intuiu que alguma semelhança pudesse desencadear um raciocínio indesejado e, por isso, retirou-se rapidamente do quarto, imaginando que um desaparecimento relâmpago pudesse interromper as consequências de seu pequeno descuido. A cabeça da criança voltou a se agitar. Seria possível? Qual era a diferença entre as duas figuras distantes? Nunca as vira e sempre esperava por alguma benevolência da parte delas, porém condicionada à manutenção de um certo padrão de comportamento. Por que deveria levar tão a sério a existência de um, se o outro o enganara por tanto tempo, causando-lhe tamanha decepção?

- Cainho...

O irmão não respondeu.

- ...acho que preciso tomar mais cuidado para não fazer papel de bobo.


2 comentários:

  1. Muito engraçado seu blog, qual a intenção do mesmo? Esses contos inacabados são de sua autoria? eheheheh

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  2. O intuito é expor opiniões e provocar debates e reflexões, com foco em comportamentos, artes, um pouco de política... sem nunca abandonar a defesa de um pensamento crítico e racional, guiado pelas dúvidas eternas. Todos os textos são de minha autoria.

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